sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Setor privado ainda tem dúvidas sobre TAV

07/10/2010 - Valor Econômico


A nuvem de dúvidas que paira sobre o projeto do trem-bala fez com que os consórcios resolvessem fazer as contas para saber se vale a pena entrar na disputa. Em alguns casos, os estudos privados indicam resultados diferentes dos que constam do estudo contratado pelo governo. O risco de uma demanda bem inferior à prevista é um dos problemas.

O projeto brasileiro estima que sejam feitas 6,4 milhões de viagens por ano entre São Paulo e Rio de Janeiro, número questionado pelo consultor do Senado Marcos Mendes, autor do estudo que comparou o projeto do trem-bala brasileiro com outros trens de alta velocidade em funcionamento no mundo. Para engordar o número brasileiro, o projeto passou a considerar trechos intermediários. Mas, então, por que o TAV não se limita, inicialmente, a alguns trechos, para depois avaliar seus resultados? Por que não considerar trens intermediários, de 160 km por hora, que custam entre 25% e 65% do TAV? , questiona o consultor Marcos Mendes.

Em recente entrevista ao Valor, Paulo Alvarenga, diretor da divisão de mobilidade da Siemens, companhia que lidera o consórcio alemão, afirmou ter dúvidas profundas sobre a viabilidade do projeto. As condições colocadas no edital possuem um nível de exposição de risco muito elevado, disse Alvarenga. O principal ajuste que precisa ser feito diz respeito à questão da demanda. O edital é otimista demais.
O consórcio coreano é mais um que está atrás de respostas. Estudamos o projeto e chegamos a conclusões diferentes das do governo, diz Paulo Benites, presidente da Trends, empresa brasileira de engenharia que representa o grupo coreano no Brasil.

Apesar das críticas do setor privado, o representante de um consórcio que preferiu não se identificar afirma que as empresas continuam trabalhando em seus projetos. Essas queixas fazem parte do jogo, tenho visto as empresas reclamando, mas todas trabalham firme em suas propostas, afirma o executivo.

O preço previsto para a passagem do trem-bala é mais um ponto de conflito. No percurso entre São Paulo e Rio, a passagem econômica poderá custar, no máximo, R$ 199,00. Esse valor se baseia na tarifa-teto fixada pelo edital em R$ 0,49 (US$ 0,27) por quilômetro rodado. O preço supera a tarifa de US$ 0,25 cobrada no Japão, país que tem a passagem mais cara do mundo. Agora compare o nível de renda da população do Japão e do Brasil, diz Mendes. A verdade é que esse projeto só está olhando para o público que hoje viaja de avião, o que é insuficiente, acrescenta o consultor do Senado Federal.

Com preço de R$ 34,6 bilhões - para ficar no valor estimado pelo edital - o trem-bala é, de longe, o projeto mais caro entre todas as obras em execução ou desenhadas pelo governo. Para se ter uma ideia, a construção e a reforma de todos os estádios que receberão a Copa do Mundo de 2014 em 12 Estados consumirão R$ 6,3 bilhões, o que já não é pouco dinheiro.

A obra de transposição do rio São Francisco, uma das estrelas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é estimada em R$ 6,6 bilhões. Juntas, as usinas hidrelétricas do rio Madeira - Santo Antônio e Jirau - , consideradas obras vitais para o sistema energético do país, custarão R$ 22 bilhões. No Pará, a hidrelétrica de Belo Monte tem orçamento de R$ 19 bilhões.

O trem de alta velocidade brasileiro vai rodar - ou flutuar - a mais de 300 km por hora, num trecho de 518 km entre Campinas (SP) e Rio de Janeiro, com seis paradas intermediárias.

Do ponto de vista econômico, é um projeto totalmente inviável, afirma o senador Eliseu Resende (DEM), vice-presidente da Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado. Os custos operacionais são muito altos para garantir o retorno esperado. Os estudos técnicos deixam claro que não dá para fazer uma obra como essa simplesmente com a concessão ao setor privado, sem participação do governo, diz Resende, que já foi ministro dos Transportes.

As experiências internacionais apontam que o peso do investimento estatal costuma ser considerável. Dois anos atrás, quando se começou a falar no projeto, aponta o relatório do Senado, estimava-se custo total de R$ 16 bilhões para o TAV, aporte que seria 100% privado. Já estamos em R$ 34 bilhões, sendo que R$ 20 bilhões sairão dos cofres do Tesouro para alimentar um financiamento subsidiado por meio do BNDES, diz Mendes. Além disso, a estatal Etav, que será criada, entrará com com R$ 3,4 bilhões.

O projeto que cria a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav) está parado na Câmara dos Deputados. Esse é um projeto de custo afundado, isso significa que a obra, a partir de certo momento, é grande demais para falhar, comenta Mendes. De cara, o Tesouro está muito envolvido com isso. Se o consórcio não tiver como pagar, não tem conversa, o governo terá de assumir a dívida, pondera.

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