quarta-feira, 23 de março de 2011

Pressão no Trabalho

O que acontece com o cérebro quando sofre pressão no trabalho?
Doutor em neurociência pela USP, Julio Peres afirma que, sob estresse, o profissional pode adotar o mecanismo de “luta ou fuga”.
Por Rômulo Martins

Autor de “Trauma e superação: o que a psicologia, a neurociência e a espiritualidade ensinam” (editora Roca), Julio Peres, doutor em neurociência e comportamento pela Universidade de São Paulo, diz que a tentativa de incitar um comportamento competitivo e agressivo dentro do ambiente corporativo pode provocar o efeito contrário, prejudicando a performance dos profissionais.



“O grande desafio do indivíduo hoje é vencer o dilema ‘ganho individual versus ganho coletivo’”, afirma o doutor em neurociência, para quem o profissional bem-sucedido é aquele que busca um sentido maior à existência. Peres falou ao Empregos.com.br. Confira.

Empregos.com.br - Do ponto de vista da neurociência, o que acontece com o profissional quando sofre pressão no trabalho?
Julio Peres - Diante da contínua pressão no âmbito profissional, alterações cardíacas e viscerais apontam para níveis de hiperatividade do sistema nervoso autônomo (SNA), enquanto o estado subjetivo de alerta potencializa a geração de comportamentos de sobrevivência do tipo “luta ou fuga” (...) Em casos críticos, as expressões de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) podem alcançar estágios crônicos afetando a morte de neurônios especialmente do hipocampo, estrutura cerebral relacionada à memória. Assim, dificuldades de concentração, memória, estado de alerta contínuo, cardiopatias, irritabilidade e insônia são manifestações comuns em profissionais sob pressão demasiada.
Empregos.com.br - Em outras palavras, com o intuito de alcançar os resultados no trabalho, quando pressionado, o profissional pode ter mais dificuldade em atingi-los, correto?
Peres - Sim, a relação ansiedade/desempenhodeixa de ser vantajosa quando as pressões são demasiadas e, assim, a performance decai sensivelmente. Contudo, muitos executivos com traço de ansiedade contínua se consideram bem-sucedidos profissionalmente, apesar de não gozarem de boa saúde e declararem insatisfação com a vida pessoal. Esses profissionais tendem ao adoecimento e afastamento do trabalho em médio prazo. Presidentes e diretores de empresas que me procuraram observaram tal efeito paradoxal e implantaram novos sistemas de trabalho baseados nos diferenciais de comportamentos dos numerosos exemplos de indivíduos que prosperaram em suas vidas de maneira integral e consistente.
Empregos.com.br - Como o profissional pode minimizar os efeitos das pressões no trabalho?
Peres - Vale lembrar que a competição faz parte do dia a dia de quase todo indivíduo, não importando a sua atuação. Desde a infância, a ambientes esportivos, ligados ao setor da moda, ou mesmo de avanços tecnológicos e médicos, a competição faz-se presente em maior ou menor grau, sempre acarretando conflitos, angústia, insônia, tristeza. Isso varia de pessoa para pessoa, considerando personalidade, ambiente, circunstâncias (...)

A neurociência tem revelado que as pessoas que realmente se sentem bem, fazem o bem. A melhora consistente da qualidade de vida das pessoas sob pressão que buscaram a psicoterapia envolve geralmente cinco fatores: desenvolvimento de novos interesses e objetivos, apreciação e valorização da vida, melhor relação familiar e interpessoal, resgate da religiosidade e espiritualidade no dia a dia e a descoberta de força e recursos pessoais para superação de adversidades.
Empregos.com.br - Em algumas áreas de atuação, no entanto, é (quase) impossível ficar imune às pressões e ao estresse. Podemos dizer que a máxima de que a motivação nasce de dentro cai por terra?
Peres - De fato, vivemos atualmente sob fortes pressões e influências de consumo em um contexto cultural árido de significados para o sentido da vida. As novas tecnologias de entretenimento e a comercialização acelerada dos bens materiais disparam excitação, euforia e ansiedade, que ensombram a consciência dos valores essenciais à vida em harmonia. Novas “necessidades” são artificialmente criadas a cada dia, imbuídas da falsa promessa de felicidade. A cultura contemporânea do descartável incentiva diuturnamente comportamentos como a pressa, a praticidade e a obtenção imediata dos bens que, supostamente, trariam conforto e aplacariam a angústia do vazio, assim como a ausência de sentido para a existência.

Os relacionamentos interpessoais são igualmente influenciados pela oferta dos meios ágeis de comunicação, que favorecem interface superficial com grande número de pessoas (redes de relacionamento via internet), incitando contatos por interesse em vantagens imediatas e relações também descartáveis. Pessoas “coisificam-se” sucessivamente como produtos, ao passo que os vínculos afetivos se tornam cada vez mais frágeis. Em meio ao mar da inconsciência e a pressa da vida diária é fundamental buscar um sentido maior à existência. A consciência ampliada nesse sentido é o berço da maior e mais poderosa fonte de motivação.
Empregos.com.br - Uma atitude positiva por parte das empresas pode minimizar os efeitos das pressões no trabalho no colaborador mesmo que este lide com situações hostis?
Peres - Modelos alternativos e vantajosos para melhor qualidade adaptativa podem permitir o cultivo de comportamentos mais saudáveis, que certamente beneficiarão os profissionais que compõem o “organismo” empresa. A ciência cognitiva tem mostrado que o grande desafio do ser humano é vencer o dilema “ganho individual versus ganho coletivo” para geração de boas condutas que promovam desdobramentos positivos para o todo. A capacidade de superar essa tensão se relaciona com o desenvolvimento da consciência humana nessa nova linha de futuro que, além de dissipar o egoísmo destrutivo e os traumas causados pelo homem, resolve o problema básico da sobrevivência individual e torna o mundo melhor de se viver.

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